Nas redes sociais multiplicam-se os vídeos que alegam que todas as pessoas que são diagnosticadas com cancro tiveram, pelo menos até àquele momento, uma vida com muito stress.

“A causa do meu cancro foi o stress crónico”, diz um doente oncológico num vídeo com cerca de 200 mil visualizações no TikTok. Noutro, um alegado médico afirma que o stress é um dos motivos para grande parte das pessoas desenvolverem a doença. Mas será verdade? O stress provoca mesmo cancro?

Stress provoca cancro?

“O stress por si só não é causa direta de cancro”, diz Daniela Madama, pneumologista, ao Polígrafo e ao Viral. Mas é verdade que o stress “pode estar associado a comportamentos de risco”, como consumo de bebidas alcoólicas ou tabaco, esses sim fatores de risco para doença oncológica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o stress é um “estado de preocupação ou tensão mental provocado por uma situação difícil”. “Toda a gente experiencia stress”, mas há situações em que se torna crónico. Nesses casos, existe uma sensação constante de pressão, pode provocar dores, insónias, fraqueza, confusão mental, falta de vontade de conviver, entre outros.

E o stress — aqui a médica faz questão de esclarecer que está a falar de stress crónico e não do stress comum do dia-a-dia — pode potenciar “um enfraquecimento do sistema imunológico, das defesas do organismo”.

A American Cancer Society afirma que, de facto, “o stress afeta o sistema imunitário”, mas há “muitos outros fatores” que o afetam e não provocam cancro. “Não há evidência clara de que os níveis de stress de uma pessoa afetem o risco de ter cancro”, considera a instituição. E mais: “Não há qualquer conexão entre personalidade/emoções e desenvolvimento de cancro”.

“A função de algumas hormonas, como o cortisol e a adrenalina”, também pode ser afetada pelo stress crónico. Isso pode “afetar várias funções do corpo” e deixá-lo mais “predisposto ao desenvolvimento de doença oncológica”.

Ou seja, o stress não provoca cancro, mas pode desencadear nos organismos mudanças que podem potenciá-lo, segundo a pneumologista.

Um estudo publicado em 2024 na Cancer Cell mostra o mecanismo de ligação entre stress crónico e cancro. A equipa de investigação imitou o stress crónico em ratos com cancro e observou que fazia com que os neutrófilos, um grupo de glóbulos brancos, formassem estruturas pegajosas que tornavam os tecidos mais suscetíveis a metástases.

Em modelos animais, os investigadores concluíram que o stress potenciava as metástases. Não é possível extrapolar essas conclusões para seres humanos, mas o estudo é útil para criar uma hipótese. “Para extrapolar para a nossa situação, teria de haver estudos em humanos”, diz Daniela Madama.

No momento de um diagnóstico de cancro e nos tempos que se seguem, “o doente é submetido a um stress intenso” — isso é natural, sublinha a médica. Para retirar algum “peso dos ombros”, é importante que haja equipas de psicólogos e psiquiatras a dar apoio, “quer ao doente, quer às famílias”.

“O que podemos tentar fazer — e isso é essencial — é reduzir a carga de stress, porque nós sabemos que um doente que está bem psicologicamente tem muito mais facilidade em aguentar os tratamentos e os efeitos secundários”, afirma a médica.

Em alguns vídeos que circulam nas redes sociais, diz-se que o stress é a causa de todos ou quase todos os casos de cancro. Um alegado médico afirma mesmo que “todos os pacientes” com cancro tiveram algum momento de “quebra” antes do diagnóstico. Daniela Madama é clara quanto a esse tipo de afirmações: “É mentira”, não só o stress não provoca cancro diretamente, como o cancro é uma doença multifatorial, sem uma causa única.

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.

De: https://viral.sapo.pt/factos