O tabaco é a principal causa de cancro do pulmão: “85% dos doentes com cancro do pulmão” têm esta doença “porque fumaram ou porque estiveram expostos ao fumo do tabaco”, disse em 2023 a pneumologista Teresa Almodovar, em entrevista ao Viral.

Isto não significa que toda a gente que fuma irá desenvolver cancro do pulmão nem que esse é o único fator de risco.

A exposição ao gás radão (rara em Portugal) é outro dos fatores e também o ambiente pode ter impacto, além de outras variáveis.

Richard Staats, pneumologista e coordenador da Comissão de Trabalho de Doenças Ocupacionais e do Ambiente da Sociedade Portuguesa de Pneumologista (SPP), diz que o que a evidência indica é que a poluição pode, de facto, provocar cancro. “A evidência fala de outros cancros, mas é mais clara para o caso do pulmão”, afirma.

Mas o que é que isto quer dizer? Qualquer poluição provoca cancro? E de que forma funciona esse mecanismo?

A poluição provoca cancro?

“Poluição é uma palavra grande”, que alberga muitos fatores, diz o especialista, “e nem todos têm o mesmo impacto”.

O mais estudado são as PM2.5, partículas em suspensão com um diâmetro inferior a 2,5 micrómetros, classificadas como “cancerígenas para humanos” pela Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC, na sigla inglesa), em 2013.

Há uns anos, diz Richard Staats, os estudos não eram tão confiáveis, principalmente porque tinham problemas metodológicos. Mas hoje as investigações são melhores, são tidos em conta mais fatores e “existem modelos matemáticos sofisticados para tentar perceber qual é a exposição real do doente”.

Em 2022, “114 486 casos de adenocarcinoma entre indivíduos do sexo masculino e 80 378 casos entre indivíduos do sexo feminino foram atribuídos à poluição ambiental por PM [partículas em suspensão] em todo o mundo”, de acordo com uma investigação publicada no The Lancet Respiratory Medicine.

Um estudo publicado na revista científica Nature já em 2025 apresenta “evidência epidemiológica e experimental” relativa à poluição como causa de cancro — são descritos vários mecanismos que explicam a forma como as PM2.5 provocam cancro, incluindo danos no ADN e mudanças epigenéticas.

Staats explica que a poluição, especialmente as partículas mais estudadas, podem atuar “a nível celular”, há “oncogenes que são mais ativados por causa da poluição”.

Também pode haver um efeito mais indireto, quando “os fatores [da poluição] influenciam o sistema imunitário”: “as células que defendem o nosso corpo contra neoplasias são influenciadas pela poluição”. E o tempo de exposição ao longo da vida significa uma “maior probabilidade de haver uma reação não controlada de proliferação de uma célula neoplásica”.

O impacto, diz o especialista, é “pequeno”, mas existe. As PM2.5 são mais preocupantes porque “vão para dentro do pulmão”, ao contrário de outras partículas que “ficam no trato respiratório superior, estão no nariz e na garganta”. Estas últimas acabam por ser as “mais notadas” porque provocam de imediato comichões ou outro tipo de sintomas que são “mais desagradáveis” e ainda que possam ser “perigosos”, “não são os mais perigosos”.

Mas também importa distinguir outro fator: o sítio onde são inaladas estas partículas porque as composições são muito diferentes dependendo se se está numa cidade altamente industrial ou no campo, rodeado de árvores.

“O tabaco continua, obviamente, a ser o fator número um para o cancro do pulmão, não há dúvidas disso”. A questão que preocupa a comunidade científica é outra: “Nos últimos anos temos tido uma redução do tabagismo, mas não temos a esperada redução da incidência de neoplasia do pulmão”.

A poluição tem vindo a ser discutida como “fator principal” para casos de pessoas que têm cancro do pulmão nunca fumaram, refere o médico  — “mas só para a incidência, não para a mortalidade”.

Que fatores influenciam a poluição e que formas de proteção existem?

“A poluição, como muitos outros fatores, está relacionada também com o nível social e económico”. É muito diferente viver perto de uma fábrica, na margem de uma estrada movimentada e ter casa numa zona verde, sem trânsito: as pessoas na primeira situação “têm uma exposição maior, correm um risco maior”, alerta do pneumologista.

E não há grande coisa que se possa fazer para proteção. É possível usar purificadores de ar com filtros HEPA, por exemplo, mas o mais importante é mesmo sair de áreas poluídas, o que pode ser bastante difícil quando se está numa situação económica ou social mais delicada, daí que este seja também um problema relacionado com “a pobreza”, como sublinha Richard Staats.

A poluição tem vindo a diminuir bastante na Europa e nos Estados Unidos: nesses sítios, as cidades vão-se tornando sítios mais seguros. Mas quando há grandes incêndios florestais, como os que foram recentemente registados no Canadá, a taxa de PM2.5 sobe, o que torna mesmo sítios outrora verdes em zonas de “possível risco para cancro do pulmão”.

Há outras doenças que são agravadas pela poluição. Para “pessoas com risco de ou com presença de doença pulmonar”, a” poluição de alta taxa” pode “causar uma redução da função pulmonar e um agravamento da doença”.

E aqui há outro fator relevante: a temperatura que pode ter um “efeito sinergístico” com a poluição. “Quando temos sol com temperaturas mais elevadas, temos, por exemplo, mais produção de ozono”, que pode causar outros problemas respiratórios.

 

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.

De: https://viral.sapo.pt/facto